sábado, 25 de maio de 2019

Realidades Líquidas


Nenhuma pessoa pode atravessar o mesmo rio duas vezes, porque nem ela, tampouco o rio, serão os mesmos, pontuou Heráclito de Éfeso, em sua sábia frase. A vida é uma jornada, semelhante ao trajeto das águas de um rio. Desde sua nascente até a foz passa por calmarias, turbulências e quedas, as quais inclusive podem ser muito belas. Mas só se percebe a beleza das quedas, quando se aceita que são necessárias para que se atinja a foz. Nesta jornada existem múltiplas formas, assim como a água apresenta-se em diversos estados. De forma recorrente e intercambiada, transmuta-se de acordo com a conjectura, em um eterno movimento de expansão e contração. Também não há espaço para remorsos ou comparações. A água não se arrepende do seu trajeto e se questiona o que poderia ter feito de forma diferente. Não se pergunta porque virou líquido, porque é ar ou está gelo. Também não fica ansiosa para saber sua próxima manifestação. De nada adiantaria que a neblina da manhã resistisse ao desvanecimento, assim que o sol gradualmente calentasse o ambiente. Seria um esforço sobrenatural se o gelo se negasse a derreter, à medida que a primavera chegasse. As águas do rio Negro e Solimões não criam comparações entre si, apenas se misturam e se aceitam, como parte natural do encontro de suas jornadas. Assim também não se revoltam porque recebem efluentes que não os agradam. A natureza tem a sua sabedoria e manifesta-se de acordo com a ordenação de suas próprias leis. É preciso desenvolver a percepção de que tudo é mutável e faz parte do ciclo interminável da existência. A vida é uma sucessão de instantes singulares e a cada um podemos contemplar e desenvolver a percepção, sem julgamento. Para isso, nada mais é preciso do que viver... no presente.

Carlos Boaretto

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